filosofia política
O realismo político em relações internacionais
30 de dez. de 2024

Realismo Político nas Relações Internacionais
Publicado pela primeira vez em 26 de julho de 2010; revisão substancial em 9 de outubro de 2023 - Tradução da Enciclopédia de Stanford.
Na disciplina de relações internacionais, existem teorias gerais ou perspectivas teóricas concorrentes. O realismo, também conhecido como realismo político, é uma visão da política internacional que enfatiza seu lado competitivo e conflituoso. Geralmente, é contrastado com o idealismo ou liberalismo, que tendem a enfatizar a cooperação. Os realistas consideram os Estados os principais atores no cenário internacional, preocupados com sua própria segurança, agindo em busca de seus interesses nacionais e lutando por poder. O lado negativo dessa ênfase dos realistas no poder e no interesse próprio é muitas vezes o ceticismo em relação à relevância das normas éticas nas relações entre Estados. A política nacional é o domínio da autoridade e da lei, enquanto a política internacional, alegam eles, é uma esfera sem justiça, caracterizada por conflitos ativos ou potenciais entre Estados, onde os padrões éticos não se aplicam.
No entanto, nem todos os realistas negam a presença de ética prescritiva nas relações internacionais. Deve-se diferenciar entre o realismo clássico — representado por teóricos do século XX, como Reinhold Niebuhr e Hans Morgenthau — e o realismo radical ou extremo. Embora o realismo clássico enfatize o conceito de interesse nacional, não se trata da doutrina maquiavélica de que "qualquer coisa é justificada em razão de Estado". Tampouco envolve a glorificação da guerra ou do conflito. Os realistas clássicos não rejeitam a possibilidade de julgamento moral na política internacional. Em vez disso, criticam o moralismo — discurso moral abstrato que não leva em conta as realidades políticas. Eles atribuem valor ético às ações políticas bem-sucedidas baseadas na prudência: a capacidade de julgar a correção de uma ação a partir de alternativas possíveis com base em suas prováveis consequências políticas.
O realismo abrange uma variedade de abordagens e reivindica uma longa tradição teórica. Entre seus fundadores, os nomes de Tucídides, Maquiavel e Hobbes são frequentemente mencionados. O realismo clássico do século XX foi amplamente substituído pelo neorrealismo, uma tentativa de construir uma abordagem mais científica para o estudo das relações internacionais. Tanto o realismo clássico quanto o neorrealismo foram criticados por teóricos das RI que representam perspectivas liberais, críticas e pós-modernas. As crescentes tensões entre superpotências reviveram o debate entre realismo e idealismo no século XXI, levando a um ressurgimento do interesse na tradição realista.
1. As Raízes da Tradição Realista
1.1 Tucídides e a Importância do Poder
Como outros teóricos políticos clássicos, Tucídides (c. 460 – c. 400 a.C.) viu a política como envolvendo questões morais. O mais importante é que ele pergunta se as relações entre Estados, nas quais o poder é crucial, podem também ser guiadas por normas de justiça. Sua História da Guerra do Peloponeso não é, de fato, uma obra de filosofia política nem uma teoria sustentada de relações internacionais. Grande parte deste trabalho, que apresenta um relato parcial do conflito armado entre Atenas e Esparta ocorrido entre 431 e 404 a.C., consiste em discursos emparelhados de personagens que argumentam lados opostos de uma questão. No entanto, se a História é descrita como o único texto clássico reconhecido nas relações internacionais e se inspira teóricos de Hobbes aos estudiosos contemporâneos, é porque é mais do que uma crônica de eventos, e uma posição teórica pode ser extrapolada dela. O realismo é expresso no primeiro discurso dos atenienses registrado na História — um discurso feito no debate que ocorreu em Esparta pouco antes da guerra. Além disso, uma perspectiva realista é implicada na explicação de Tucídides sobre a causa da Guerra do Peloponeso e também no famoso "Diálogo Mélio".
1.1.1 Características Gerais do Realismo nas Relações Internacionais
Os realistas das relações internacionais enfatizam as restrições impostas à política pela natureza dos seres humanos, que consideram egoístas, e pela ausência de um governo internacional. Esses fatores contribuem para um paradigma baseado em conflitos nas relações internacionais, no qual os principais atores são os Estados, onde o poder e a segurança se tornam os principais temas e onde há pouco espaço para normas éticas. Os pressupostos sobre atores estatais, egoísmo, anarquia, poder, segurança e ética que definem a tradição realista estão todos presentes em Tucídides.
A natureza humana é um ponto de partida para o realismo político clássico. Os realistas veem os seres humanos como inerentemente egoístas e movidos pelo interesse próprio, a ponto de este superar os princípios morais. No debate em Esparta, descrito no Livro I da História de Tucídides, os atenienses afirmam a prioridade do interesse próprio sobre a moralidade. Eles dizem que considerações de certo e errado "nunca desviaram as pessoas das oportunidades de engrandecimento oferecidas pela superioridade de forças" (cap. 1, parágrafo 76).
Realistas, especialmente os neorrealistas contemporâneos, consideram a ausência de governo, literalmente anarquia, como o principal determinante dos resultados políticos internacionais. A falta de uma autoridade comum que estabeleça e aplique regras significa, argumentam, que o cenário internacional é essencialmente um sistema de autoajuda. Cada Estado é responsável por sua própria sobrevivência, podendo definir seus interesses e buscar o poder. A anarquia leva, portanto, a uma situação em que o poder tem um papel predominante na configuração das relações interestatais. Nas palavras dos enviados atenienses em Melos, sem uma autoridade comum que possa impor a ordem, "os Estados independentes sobrevivem [somente] quando são poderosos" (5.97).
Na medida em que os realistas visualizam o mundo dos Estados como anárquico, também veem a segurança como uma questão central. Para alcançar a segurança, os Estados tentam aumentar seu poder e equilibrar forças para dissuadir agressores potenciais. Guerras são travadas para impedir que nações rivais se tornem militarmente mais fortes. Tucídides, ao distinguir entre as causas imediatas e subjacentes da Guerra do Peloponeso, não vê sua causa real em nenhum dos eventos específicos que precederam imediatamente seu início. Em vez disso, ele localiza a causa da guerra na mudança na distribuição de poder entre os dois blocos de cidades-estados gregas: a Liga de Delos, liderada por Atenas, e a Liga do Peloponeso, liderada por Esparta. Segundo ele, o crescimento do poder ateniense fez os espartanos temerem por sua segurança e, assim, os levou à guerra (1.23). Referindo-se a essa situação, Graham Allison popularizou a expressão "armadilha de Tucídides" para descrever o perigo que ocorre quando um poder emergente rivaliza com um estabelecido (2017).
Os realistas geralmente são céticos quanto à relevância da ética para a política internacional. Isso pode levá-los a afirmar que não há lugar para a moralidade em sentido prescritivo nas relações internacionais, ou que há uma tensão entre as exigências da moralidade e os requisitos de ação política bem-sucedida, ou que os Estados possuem sua própria moralidade, diferente da moralidade costumeira, ou ainda que a moralidade, se empregada, é usada instrumentalmente para justificar a conduta dos Estados.
1.1.2 O "Diálogo Meliano" — O Primeiro Debate Realista-Idealista
Podemos encontrar forte suporte para a perspectiva realista nas declarações dos atenienses. A questão permanece, contudo, até que ponto o realismo deles coincide com a visão de Tucídides. Embora passagens substanciais do "Diálogo Meliano", bem como outras partes da História, sustentem uma leitura realista, a posição de Tucídides não pode ser deduzida de fragmentos selecionados, mas deve ser avaliada no contexto mais amplo de sua obra. De fato, até mesmo o "Diálogo Meliano" nos apresenta uma série de visões concorrentes.
O realismo político é frequentemente contrastado por estudiosos de Relações Internacionais com o idealismo ou liberalismo, uma perspectiva teórica que enfatiza normas internacionais, interdependência entre estados e cooperação internacional. O "Diálogo Meliano", uma das partes mais comentadas da História de Tucídides, apresenta o debate clássico entre as visões idealista e realista: a política internacional pode ser baseada em uma ordem moral derivada de princípios de justiça, ou será para sempre o palco de interesses nacionais conflitantes e poder?
Para os melianos, que empregam argumentos idealistas, a escolha está entre guerra e submissão (5.86). Eles são corajosos, amam seu país e não desejam perder sua liberdade. Apesar de serem militarmente mais fracos que os atenienses, estão dispostos a se defender (5.100; 5.112). Seus argumentos baseiam-se em um apelo à justiça, que associam à equidade, e consideram os atenienses injustos (5.90; 5.104). Eles são piedosos, acreditando que os deuses apoiarão sua causa justa e compensarão sua fraqueza, e confiam em alianças, pensando que seus aliados, os espartanos, que também são parentes, os ajudarão (5.104; 5.112). Assim, pode-se identificar no discurso dos melianos elementos da visão de mundo idealista ou liberal: a crença de que as nações têm o direito de exercer independência política, de que têm obrigações mútuas umas com as outras e de que uma guerra de agressão é injusta. No entanto, o que os melianos carecem são recursos e previsibilidade. Na decisão de se defenderem, são guiados mais por esperanças do que pelas evidências à mão ou por cálculos prudentes.
O argumento ateniense baseia-se em conceitos realistas fundamentais, como segurança e poder, e é informado não pelo que o mundo deveria ser, mas pelo que ele é. Os atenienses desconsideram qualquer discurso moral e instam os melianos a considerar os fatos — isto é, reconhecer sua inferioridade militar, considerar as possíveis consequências de sua decisão e pensar sobre sua própria sobrevivência (5.87; 5.101). Parece haver uma lógica realista poderosa por trás dos argumentos atenienses. Sua posição, baseada em preocupações de segurança e interesse próprio, aparentemente envolve confiança na racionalidade, inteligência e previsão. No entanto, ao exame minucioso, sua lógica mostra-se seriamente falha. Melos, um estado relativamente fraco, não representa uma ameaça real à segurança de Atenas. A eventual destruição de Melos não altera o curso da Guerra do Peloponeso, que Atenas perderá alguns anos depois.
Na História, Tucídides mostra que o poder, se não for moderado por justiça, leva a um desejo descontrolado por mais poder. Não há limites lógicos para o tamanho de um império. Embriagados pela perspectiva de glória e ganho, após conquistar Melos, os atenienses engajam-se numa guerra contra a Sicília. Ignoram o argumento meliano de que considerações de justiça são úteis a todos no longo prazo (5.90). E, ao superestimarem sua força e perderem a guerra, sua lógica egoísta prova ser extremamente míope.
É utópico ignorar a realidade do poder nas relações internacionais, mas é igualmente cego confiar apenas no poder. Tucídides não parece apoiar nem o idealismo ingênuo dos melianos nem o cinismo de seus oponentes atenienses. Ele nos ensina a estar atentos “contra o sonho ingênuo sobre política internacional”, por um lado, e “contra o outro extremo pernicioso: o cinismo desenfreado”, por outro (Donnelly 2000, 193). Se ele pode ser considerado um realista político, seu realismo não prefigura nem a realpolitik, que rejeita a ética prescritiva, nem o neorrealismo científico de hoje, que ignora questões morais. O realismo de Tucídides, nem imoral nem amoral, pode ser comparado ao de Hans Morgenthau, Raymond Aron e outros realistas clássicos do século XX, que, embora sensíveis às demandas do interesse nacional, não negariam que atores políticos na cena internacional estão sujeitos ao julgamento moral.
1.2 A Crítica de Maquiavel à Tradição Moral
O idealismo nas relações internacionais, assim como o realismo, pode reivindicar uma longa tradição. Insatisfeitos com o mundo como o encontram, idealistas sempre tentaram responder à questão de "como deveria ser" a política. Platão, Aristóteles e Cícero foram todos idealistas políticos que acreditavam na existência de valores morais universais nos quais a vida política poderia ser baseada. Amparando-se no trabalho de seus predecessores, Cícero desenvolveu a ideia de uma lei moral natural aplicável tanto à política doméstica quanto à internacional. Suas ideias sobre retidão na guerra foram levadas adiante pelos pensadores cristãos Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. No final do século XV, quando Nicolau Maquiavel nasceu, a ideia de que a política, incluindo as relações entre Estados, deveria ser virtuosa e que os métodos de guerra deveriam permanecer subordinados a padrões éticos ainda predominava na literatura política.
Maquiavel (1469–1527) desafiou essa tradição moral bem estabelecida, posicionando-se, assim, como um inovador político. A novidade de sua abordagem reside em sua crítica ao pensamento político clássico ocidental como irrealista, almejando objetivos elevados demais, e em sua separação entre política e ética. Dessa forma, ele estabelece as bases para uma política moderna focada no interesse próprio. No capítulo XV de O Príncipe, Maquiavel anuncia que, ao se afastar dos ensinamentos dos pensadores anteriores, ele busca "a verdade efetiva da coisa em vez da imaginada". A "verdade efetiva" é, para ele, a única verdade que vale a pena buscar. Representa o conjunto das condições práticas que ele acredita serem necessárias para tornar tanto o indivíduo quanto o país prósperos e fortes. Maquiavel substitui a virtude antiga (uma qualidade moral do indivíduo, como justiça ou autocontrole) pela virtù, habilidade ou vigor. Como profeta da virtù, ele promete conduzir nações e indivíduos à glória e ao poder terrenos.
O maquiavelismo é um tipo radical de realismo político aplicado tanto aos assuntos internos quanto aos internacionais. Às vezes chamado de realpolitik, é uma doutrina que nega a relevância da ética na política e afirma que todos os meios (morais e imorais) são justificados para alcançar determinados fins políticos. Embora Maquiavel nunca tenha usado a expressão ragione di stato ou seu equivalente francês raison d’état, o que conta para ele é precisamente isso: o que é bom para o Estado, em vez de escrúpulos ou normas éticas.
Maquiavel justificava ações imorais na política, mas nunca deixou de admitir que eram más. Ele operava dentro do único quadro da moralidade tradicional. Tornou-se uma tarefa específica de seus seguidores do século XIX desenvolver a doutrina de uma ética dupla: uma pública e outra privada, para levar o realismo maquiavélico a extremos ainda maiores e aplicá-lo às relações internacionais. Ao afirmar que "o Estado não tem dever mais elevado do que manter-se", Hegel deu uma sanção ética à promoção do próprio interesse do Estado contra outros Estados (Meinecke, 357). Assim, ele derrubou as crenças tradicionais sobre moralidade. O bem do Estado foi interpretado perversamente por ele como o valor moral mais alto, com a extensão do poder nacional considerada um direito e dever da nação. Depois, referindo-se a Maquiavel, Heinrich von Treitschke declarou que o Estado era poder, precisamente para se afirmar contra outras potências igualmente independentes, e que o dever moral supremo do Estado era fomentar esse poder. Ele considerava os acordos internacionais vinculantes apenas na medida em que fossem convenientes para o Estado. Assim, foi introduzida a ideia de uma ética autônoma do comportamento estatal e o conceito de realpolitik. A ética tradicional e costumeira foi negada, e a política de poder foi associada a um tipo "superior" de moralidade. Esses conceitos, juntamente com a crença na superioridade da cultura germânica, serviram como armas com as quais estadistas alemães, do século XVIII ao final da Segunda Guerra Mundial, justificaram suas políticas de conquista e extermínio.
Maquiavel é frequentemente elogiado por seus conselhos prudenciais aos líderes (o que o fez ser considerado um mestre fundador da estratégia política moderna) e por sua defesa da forma republicana de governo. Certamente, muitos aspectos de seu pensamento merecem tal elogio. No entanto, também é possível vê-lo como o pensador que carrega a maior responsabilidade pela desmoralização da Europa. O argumento dos emissários atenienses apresentado no "Diálogo Meliano" de Tucídides, o de Trasímaco na República de Platão ou o de Carnéades, ao qual Cícero se refere — todos desafiam as visões antigas e cristãs da unidade entre política e ética. No entanto, antes de Maquiavel, esse modo de pensar amoral ou imoral nunca prevaleceu no mainstream do pensamento político ocidental. Foi a força e a oportunidade de sua justificativa para recorrer ao mal como meio legítimo para alcançar fins políticos que convenceram tantos pensadores e praticantes políticos que o seguiram. Os efeitos das ideias maquiavélicas, como a noção de que o emprego de todos os meios possíveis era permissível na guerra, seriam vistos nos campos de batalha da Europa moderna, enquanto exércitos de cidadãos lutavam até o amargo fim, sem levar em conta as regras de justiça. A tensão entre conveniência e moralidade perdeu sua validade no campo da política. Inventou-se o conceito de uma ética dupla, causando mais danos à moralidade tradicional. A doutrina da raison d’état levou, por fim, à política de Lebensraum, duas guerras mundiais e ao Holocausto.
Talvez o maior problema com o realismo nas relações internacionais seja sua tendência de cair em sua versão extrema, que aceita qualquer política que possa beneficiar o Estado às custas de outros Estados, independentemente de quão moralmente problemática seja. Mesmo que não levantem explicitamente questões éticas, nas obras de Waltz e de muitos outros neorrealistas de hoje, uma ética dupla, pública e privada, é pressuposta, e palavras como realpolitik não têm mais as conotações negativas que tinham para os realistas clássicos, como Hans Morgenthau.
1.3 O Estado de Natureza Anárquico de Hobbes
Thomas Hobbes (1588–1683) fez parte de um movimento intelectual cujo objetivo era libertar a ciência moderna emergente das restrições da herança clássica e escolástica. De acordo com a filosofia política clássica, na qual se baseia a perspectiva idealista, os seres humanos podem controlar seus desejos por meio da razão e trabalhar pelo benefício dos outros, mesmo às custas do próprio benefício. Eles são, portanto, agentes racionais e morais, capazes de distinguir entre o certo e o errado e de fazer escolhas morais. São também naturalmente sociais. Com grande habilidade, Hobbes ataca essas visões. Seus seres humanos, extremamente individualistas em vez de morais ou sociais, estão sujeitos a “um desejo perpétuo e inquieto por poder após poder, que cessa apenas com a morte” (Leviatã XI 2). Eles, portanto, inevitavelmente lutam pelo poder. Ao apresentar tais ideias, Hobbes contribui para algumas das concepções básicas fundamentais para a tradição realista nas relações internacionais, especialmente para o neorrealismo. Estas incluem a caracterização da natureza humana como egoísta, o conceito de anarquia internacional e a visão de que a política, enraizada na luta pelo poder, pode ser racionalizada e estudada cientificamente.
Um dos conceitos hobbesianos mais amplamente conhecidos é o estado de natureza anárquico, entendido como implicando um estado de guerra — e “uma guerra de todos contra todos” (XII 8). Ele deriva sua noção de estado de guerra de suas visões tanto sobre a natureza humana quanto sobre a condição em que os indivíduos existem. No estado de natureza, não há governo e todos desfrutam de status igual; cada indivíduo tem direito a tudo, ou seja, não há restrições ao comportamento individual. Qualquer um pode, a qualquer momento, usar a força, e todos devem estar constantemente prontos para contrapor força à força. Assim, impulsionados pela ambição, sem restrições morais e motivados a competir por bens escassos, os indivíduos tendem a “invadir” uns aos outros em busca de ganhos. Desconfiando uns dos outros e movidos pelo medo, também são propensos a ações preventivas, invadindo uns aos outros para garantir sua própria segurança. Por fim, os indivíduos também são impulsionados pelo orgulho e pelo desejo de glória. Seja por ganho, segurança ou reputação, os indivíduos em busca de poder, assim, “se esforçarão para destruir ou subjugar uns aos outros” (XIII 3). Nessas condições incertas, em que todos são potenciais agressores, fazer guerra contra os outros é uma estratégia mais vantajosa do que o comportamento pacífico, e é necessário aprender que a dominação sobre os outros é essencial para a própria sobrevivência contínua.
Hobbes está principalmente preocupado com a relação entre indivíduos e o Estado, e seus comentários sobre relações entre Estados são escassos. No entanto, o que ele diz sobre a vida dos indivíduos no estado de natureza também pode ser interpretado como uma descrição de como os Estados existem em relação uns aos outros. Uma vez estabelecidos os Estados, o impulso individual por poder torna-se a base para o comportamento dos Estados, frequentemente manifestando-se em seus esforços para dominar outros Estados e povos. Os Estados, “para sua própria segurança”, escreve Hobbes, “ampliam seus domínios sob todas as pretensões de perigo e medo de invasão ou assistência que possam ser dadas aos invasores, [e] se esforçam o máximo que podem para subjugar e enfraquecer seus vizinhos” (XIX 4). Assim, a busca e a luta pelo poder estão no cerne da visão hobbesiana das relações entre Estados. O mesmo seria mais tarde verdade no modelo de relações internacionais desenvolvido por Hans Morgenthau, profundamente influenciado por Hobbes e que adotou a mesma visão da natureza humana. Da mesma forma, o neorrealista Kenneth Waltz seguiria a liderança de Hobbes no que diz respeito à anarquia internacional (o fato de que os Estados soberanos não estão sujeitos a nenhum soberano comum superior) como o elemento essencial das relações internacionais.
Ao submeterem-se a um soberano, os indivíduos escapam da guerra de todos contra todos, associada por Hobbes ao estado de natureza; no entanto, essa guerra continua a dominar as relações entre Estados. Isso não significa que os Estados estejam sempre lutando, mas que têm uma disposição para lutar (XIII 8). Com cada Estado decidindo por si mesmo se deve ou não usar a força, a guerra pode eclodir a qualquer momento. A conquista da segurança doméstica pela criação de um Estado é, então, paralela a uma condição de insegurança entre Estados. Pode-se argumentar que, se Hobbes fosse totalmente consistente, ele concordaria com a noção de que, para escapar dessa condição, os Estados também deveriam entrar em um contrato e submeter-se a um soberano mundial. Embora a ideia de um Estado mundial encontre apoio entre alguns dos realistas atuais, essa não é uma posição adotada por Hobbes. Ele não propõe que um contrato social entre nações seja implementado para acabar com a anarquia internacional. Isso ocorre porque a condição de insegurança na qual os Estados estão colocados não leva necessariamente à insegurança para seus cidadãos. Desde que um conflito armado ou outro tipo de hostilidade entre Estados não ecloda de fato, os indivíduos dentro de um Estado podem sentir-se relativamente seguros.
A negação da existência de princípios e normas morais universais nas relações entre Estados aproxima Hobbes dos maquiavélicos e dos seguidores da doutrina da raison d’état. Sua teoria das relações internacionais, que assume que Estados independentes, como indivíduos independentes, são inimigos por natureza, antissociais e egoístas, e que não há limitação moral para seu comportamento, representa um grande desafio à visão política idealista baseada na sociabilidade humana e ao conceito de jurisprudência internacional construído sobre essa visão. No entanto, o que separa Hobbes de Maquiavel e o associa mais ao realismo clássico é sua insistência no caráter defensivo da política externa. Sua teoria política não convida a fazer tudo o que pode ser vantajoso para o Estado. Sua abordagem das relações internacionais é prudente e pacífica: Estados soberanos, como indivíduos, devem se inclinar para a paz, que é recomendada pela razão.
O que Waltz e outros leitores neorrealistas das obras de Hobbes às vezes ignoram é que ele não percebe a anarquia internacional como um ambiente sem regras. Ao sugerir que certos ditames da razão se aplicam mesmo no estado de natureza, ele afirma que relações internacionais mais pacíficas e cooperativas são possíveis. Tampouco nega a existência do direito internacional. Estados soberanos podem assinar tratados entre si para fornecer uma base legal para suas relações. Ao mesmo tempo, no entanto, Hobbes parece estar ciente de que as regras internacionais muitas vezes se mostram ineficazes para conter a luta pelo poder. Os Estados as interpretarão em seu próprio benefício, e assim o direito internacional será obedecido ou ignorado de acordo com os interesses dos Estados afetados. Portanto, as relações internacionais tenderão sempre a ser uma questão precária. Essa visão sombria da política global está no cerne do realismo hobbesiano.
2. O Realismo Clássico do Século XX
O realismo do século XX nasceu como uma resposta à perspectiva idealista que dominava os estudos de relações internacionais após a Primeira Guerra Mundial. Os idealistas das décadas de 1920 e 1930 (também chamados de internacionalistas liberais ou utópicos) tinham como objetivo construir a paz para prevenir outro conflito mundial. Eles viam a solução para os problemas entre Estados na criação de um sistema respeitável de direito internacional, apoiado por organizações internacionais. Esse idealismo entre guerras resultou na fundação da Liga das Nações em 1920 e no Pacto Kellogg-Briand de 1928, que proibia a guerra e promovia a resolução pacífica de disputas. O presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, e estudiosos como Norman Angell, Alfred Zimmern e Raymond B. Fosdick, entre outros idealistas proeminentes da época, apoiaram intelectualmente a Liga das Nações. Em vez de focar no que alguns poderiam considerar a inevitabilidade do conflito entre Estados e povos, eles escolheram enfatizar os interesses comuns que poderiam unir a humanidade e tentaram apelar à racionalidade e à moralidade. Para eles, a guerra não se originava de uma natureza humana egoísta, mas de condições sociais imperfeitas e arranjos políticos que poderiam ser melhorados. Contudo, suas ideias já estavam sendo criticadas no início da década de 1930 por Reinhold Niebuhr e, poucos anos depois, por E. H. Carr. A Liga das Nações, da qual os Estados Unidos nunca participaram e da qual o Japão e a Alemanha se retiraram, não conseguiu evitar o início da Segunda Guerra Mundial. Esse fato, talvez mais do que qualquer argumento teórico, contribuiu para o desenvolvimento da teoria realista. Embora as Nações Unidas, fundadas em 1945, ainda possam ser consideradas um produto do pensamento político idealista, a disciplina de relações internacionais foi profundamente influenciada, nos anos iniciais do período pós-guerra, pelos trabalhos de realistas "clássicos", como John H. Herz, Hans Morgenthau, George Kennan e Raymond Aron. Então, durante as décadas de 1950 e 1960, o realismo clássico enfrentou o desafio de acadêmicos que tentaram introduzir uma abordagem mais científica ao estudo da política internacional. Durante a década de 1980, deu lugar a outra tendência na teoria das relações internacionais: o neorrealismo.
Como é impossível, no escopo deste artigo, introduzir todos os pensadores que contribuíram para o desenvolvimento do realismo clássico do século XX, E. H. Carr e Hans Morgenthau, talvez os mais influentes entre eles, foram selecionados para discussão aqui.
2.1 O Desafio de E. H. Carr ao Idealismo Utópico
Em sua principal obra sobre relações internacionais, The Twenty Years’ Crisis, publicada pela primeira vez em julho de 1939, Edward Hallett Carr (1892–1982) ataca a posição idealista, que ele descreve como "utopismo". Ele caracteriza essa posição como abrangendo fé na razão, confiança no progresso, um senso de retidão moral e uma crença na harmonia subjacente dos interesses. Segundo os idealistas, a guerra é uma aberração na vida normal, e a maneira de evitá-la é educar as pessoas para a paz e construir sistemas de segurança coletiva, como a Liga das Nações ou as Nações Unidas atuais. Carr desafia o idealismo questionando sua alegação de universalismo moral e sua ideia de harmonia de interesses. Ele declara que “a moralidade só pode ser relativa, não universal” (19), e afirma que a doutrina da harmonia dos interesses é invocada por grupos privilegiados “para justificar e manter sua posição dominante” (75).
Carr usa o conceito de relatividade do pensamento, que ele remonta a Marx e outros teóricos modernos, para mostrar que os padrões pelos quais as políticas são julgadas são produtos de circunstâncias e interesses. Sua ideia central é que os interesses de uma determinada parte sempre determinam o que essa parte considera princípios morais, e, portanto, esses princípios não são universais. Carr observa que políticos, por exemplo, frequentemente usam a linguagem da justiça para encobrir os interesses particulares de seus próprios países ou para criar imagens negativas de outros povos e, assim, justificar atos de agressão. A existência de tais instâncias de descreditar moralmente um inimigo potencial ou justificar moralmente a própria posição mostra, argumenta ele, que as ideias morais são derivadas de políticas reais. Políticas não são, como os idealistas sustentariam, baseadas em algumas normas universais, independentes dos interesses das partes envolvidas.
Se padrões éticos específicos são de fato fundamentados em interesses, argumenta Carr, também há interesses subjacentes ao que são considerados princípios absolutos ou valores morais universais. Enquanto os idealistas tendem a considerar tais valores, como paz ou justiça, como universais e afirmam que defendê-los é do interesse de todos, Carr argumenta contra essa visão. Para ele, não há valores nem interesses universais. Ele afirma que aqueles que se referem a interesses universais estão, de fato, agindo em seus próprios interesses (71). Eles pensam que o que é melhor para eles é melhor para todos e identificam seus próprios interesses com o interesse universal do mundo como um todo.
A ideia idealista de harmonia dos interesses baseia-se na noção de que os seres humanos podem reconhecer racionalmente que têm alguns interesses em comum e que, portanto, a cooperação é possível. Carr contrasta essa ideia com a realidade do conflito de interesses. Segundo ele, o mundo é dilacerado pelos interesses particulares de diferentes indivíduos e grupos. Nesse ambiente conflituoso, a ordem baseia-se no poder, não na moralidade. Além disso, a própria moralidade é produto do poder (61). Como Hobbes, Carr considera que a moralidade é construída pelo sistema legal particular que é imposto por um poder coercitivo. Normas éticas internacionais são impostas a outros países por nações ou grupos dominantes que se apresentam como a comunidade internacional como um todo. Elas são inventadas para perpetuar o domínio dessas nações.
Os valores que idealistas veem como bons para todos, como paz, justiça social, prosperidade e ordem internacional, são considerados por Carr meras noções de status quo. As potências satisfeitas com o status quo consideram o arranjo vigente como justo e, portanto, pregam a paz. Elas tentam reunir todos em torno de sua ideia do que é bom. “Assim como a classe dominante em uma comunidade reza pela paz doméstica, que garante sua própria segurança e predominância, ... a paz internacional torna-se um interesse especial das potências predominantes” (76). Por outro lado, as potências insatisfeitas consideram o mesmo arranjo como injusto e, assim, se preparam para a guerra. Portanto, a maneira de obter a paz, se não puder ser simplesmente imposta, é satisfazer as potências insatisfeitas. “Aqueles que mais lucram com a ordem [internacional] só podem, no longo prazo, esperar mantê-la fazendo concessões suficientes para torná-la tolerável para aqueles que menos lucram com ela” (152). A conclusão lógica a ser tirada pelo leitor do livro de Carr é a política de apaziguamento.
Carr reconhece que o realismo puro pode levar a uma luta nua por poder, tornando impossível qualquer tipo de sociedade internacional (87). Ao mesmo tempo que demole o que chama de "a utopia atual" do idealismo, ele tenta construir "uma nova utopia", uma ordem mundial realista. Ao fazê-lo, admite que os seres humanos precisam de certos princípios ou crenças fundamentais compartilhados entre diferentes culturas. Contudo, a linguagem de valores universais pode ser mal utilizada, e as instituições políticas podem implementá-los de forma imperfeita, mas isso não significa que esses valores não existam.
Continua sendo um desafio reconciliar poder e moralidade, mas o equilíbrio entre ambos é essencial para o avanço das relações internacionais.
2.2 Os Princípios Realistas de Hans Morgenthau
Hans J. Morgenthau (1904–1980) desenvolveu o realismo em uma teoria abrangente das relações internacionais. Influenciado pelo teólogo protestante e escritor político Reinhold Niebuhr, bem como por Hobbes, Morgenthau coloca o egoísmo e o desejo de poder no centro de sua visão da existência humana. A insaciável busca humana por poder, atemporal e universal, que ele identifica como animus dominandi, o desejo de dominar, é para ele a principal causa de conflito. Como afirma em sua obra principal, Politics among Nations: The Struggle for Power and Peace, publicada pela primeira vez em 1948, “a política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder” (25).Morgenthau sistematiza o realismo nas relações internacionais com base em seis princípios que ele inclui na segunda edição de Politics among Nations. Como tradicionalista, ele se opõe aos chamados cientistas (os estudiosos que, especialmente na década de 1950, tentaram reduzir a disciplina das relações internacionais a um ramo das ciências comportamentais). Contudo, no primeiro princípio, ele afirma que o realismo se baseia em leis objetivas que têm suas raízes na natureza humana imutável (4). Ele deseja desenvolver o realismo tanto como uma teoria da política internacional quanto como uma arte política, uma ferramenta útil para a política externa.O pilar central da teoria realista de Morgenthau é o conceito de poder ou “de interesse definido em termos de poder”, que fundamenta seu segundo princípio: a suposição de que líderes políticos “pensam e agem em termos de interesse definido como poder” (5). Esse conceito define a autonomia da política e permite a análise da política externa independentemente dos diferentes motivos, preferências e qualidades intelectuais e morais de políticos individuais. Além disso, é o alicerce de uma visão racional da política.Embora, como Morgenthau explica no terceiro princípio, o interesse definido como poder seja uma categoria universalmente válida e um elemento essencial da política, várias coisas podem ser associadas ao interesse ou ao poder em diferentes tempos e circunstâncias. Seu conteúdo e sua forma de uso são determinados pelo ambiente político e cultural.No quarto princípio, Morgenthau considera a relação entre realismo e ética. Ele afirma que, embora os realistas estejam cientes da importância moral da ação política, também reconhecem a tensão entre moralidade e os requisitos para uma ação política bem-sucedida. “Princípios morais universais,” ele afirma, “não podem ser aplicados às ações dos Estados em sua formulação universal abstrata, mas ... devem ser filtrados pelas circunstâncias concretas de tempo e lugar” (9). Esses princípios devem ser acompanhados pela prudência, pois ele adverte que “não pode haver moralidade política sem prudência; isto é, sem considerar as consequências políticas de uma ação aparentemente moral” (ibid.).A prudência, ou seja, a capacidade de julgar a justiça de uma ação específica entre alternativas possíveis com base em suas prováveis consequências políticas, e não a convicção da superioridade moral ou ideológica de alguém, deve orientar as decisões políticas. Isso é enfatizado no quinto princípio, no qual Morgenthau novamente reforça a ideia de que todos os atores estatais, incluindo o nosso, devem ser vistos exclusivamente como entidades políticas que buscam seus respectivos interesses definidos em termos de poder. Adotando esse ponto de vista em relação aos seus pares e, assim, evitando confrontos ideológicos, um Estado seria capaz de seguir políticas que respeitassem os interesses de outros Estados enquanto protegesse e promovesse os seus próprios.Na medida em que o poder, ou interesse definido como poder, é o conceito que define a política, a política é uma esfera autônoma, como Morgenthau afirma em seu sexto princípio do realismo. Ela não pode ser subordinada à ética. No entanto, a ética ainda desempenha um papel na política. “Um homem que fosse apenas ‘homem político’ seria uma fera, pois estaria completamente desprovido de restrições morais. Um homem que fosse apenas ‘homem moral’ seria um tolo, pois estaria completamente desprovido de prudência” (12). A arte política exige que essas duas dimensões da vida humana, poder e moralidade, sejam levadas em consideração.Embora os seis princípios de Morgenthau contenham repetições e inconsistências, é possível obter deles a seguinte visão: o poder ou interesse é o conceito central que torna a política uma disciplina autônoma. Atores estatais racionais buscam seus interesses nacionais. Portanto, uma teoria racional da política internacional pode ser construída. Tal teoria não se preocupa com a moralidade, crenças religiosas, motivos ou preferências ideológicas de líderes políticos individuais. Ela também indica que, para evitar conflitos, os Estados devem evitar cruzadas morais ou confrontos ideológicos e buscar compromissos baseados exclusivamente na satisfação de seus interesses mútuos.Embora ele defina a política como uma esfera autônoma, Morgenthau não separa a ética da política. Para ele, o ato de proteger seu país possui um profundo significado moral. Direcionado, em última análise, para o objetivo de sobrevivência nacional, envolve a prudência relacionada à escolha do melhor curso de ação. A proteção eficaz da vida dos cidadãos contra danos em caso de conflito armado internacional não é meramente uma ação física de força; também possui dimensões prudenciais e morais.Morgenthau considera o realismo uma forma de pensar sobre relações internacionais e uma ferramenta útil para desenvolver políticas. No entanto, algumas das concepções básicas de sua teoria, especialmente a ideia de conflito como decorrente da natureza humana, bem como o próprio conceito de poder, têm provocado críticas.A política internacional, como toda política, é para Morgenthau uma luta pelo poder devido ao desejo humano básico por poder. Contudo, considerar todos os indivíduos como estando envolvidos em uma busca perpétua por poder — visão que ele compartilha com Hobbes — é uma premissa questionável. A natureza humana não pode ser revelada por observação e experimentação. Não pode ser provada por qualquer pesquisa empírica, mas apenas descoberta pela filosofia, imposta a nós como uma questão de crença e inculcada pela educação.Morgenthau reforça a crença no impulso humano pelo poder ao introduzir um aspecto normativo em sua teoria, que é a racionalidade. Uma política externa racional é considerada “uma boa política externa” (7). Mas ele define racionalidade como um processo de calcular os custos e benefícios de todas as políticas alternativas para determinar sua utilidade relativa, ou seja, sua capacidade de maximizar o poder. Estadistas “pensam e agem em termos de interesse definido como poder” (5). Apenas a fraqueza intelectual dos formuladores de políticas pode resultar em políticas externas que se desviam de um curso racional destinado a minimizar riscos e maximizar benefícios. Portanto, em vez de apresentar um retrato real dos assuntos humanos, Morgenthau enfatiza a busca pelo poder e a racionalidade dessa busca, estabelecendo-a como uma norma.Como notaram Raymond Aron e outros estudiosos, o poder, conceito fundamental do realismo de Morgenthau, é ambíguo. Ele pode ser um meio ou um fim na política. Se o poder é apenas um meio para obter outra coisa, não define a natureza da política internacional da maneira que Morgenthau afirma. Ele não permite compreender as ações dos Estados independentemente dos motivos e preferências ideológicas de seus líderes políticos. Não pode servir como base para definir a política como uma esfera autônoma.Portanto, embora Morgenthau tenha contribuído para moldar o realismo como uma disciplina, sua visão e seus princípios não estão imunes a dúvidas e críticas, o que destaca a complexidade e a evolução contínua da teoria realista nas relações internacionais.
3. O Neorrealismo
Apesar de suas ambiguidades e fraquezas, Politics among Nations, de Morgenthau, tornou-se um livro-texto padrão e influenciou o pensamento sobre política internacional por uma geração. Ao mesmo tempo, houve uma tentativa de desenvolver uma abordagem mais metodologicamente rigorosa para teorizar sobre os assuntos internacionais. Nas décadas de 1950 e 1960, um grande influxo de cientistas de diferentes áreas entrou na disciplina de Relações Internacionais e tentou substituir a "literatura de sabedoria" dos realistas clássicos por conceitos e raciocínios científicos (Brown, 35). Isso, por sua vez, provocou uma contraofensiva de Morgenthau e estudiosos associados à chamada Escola Inglesa, especialmente Hedley Bull, que defenderam uma abordagem tradicional (Bull, 1966).Como resultado, a disciplina de relações internacionais foi dividida em duas vertentes principais: tradicional ou não-positivista e científica ou positivista (neo-positivista). Em um estágio posterior, foi adicionada uma terceira vertente: o pós-positivismo. Os tradicionalistas levantam questões normativas e se envolvem com história, filosofia e direito. Os cientistas ou positivistas enfatizam uma forma descritiva e explicativa de investigação, em vez de uma normativa. Eles estabeleceram uma forte presença no campo. Já em meados da década de 1960, a maioria dos estudantes americanos em relações internacionais foi treinada em pesquisa quantitativa, teoria dos jogos e outras novas técnicas de pesquisa das ciências sociais. Isso, juntamente com o ambiente internacional em mudança, teve um efeito significativo na disciplina.Apesar de suas diferenças metodológicas, os realistas presumem que o Estado é o ator-chave na política internacional e que relações competitivas e conflituosas entre os Estados estão no cerne das relações internacionais reais. No entanto, com o recuo da Guerra Fria durante a década de 1970, foi possível testemunhar a crescente importância de outros atores: organizações internacionais e não governamentais, bem como corporações multinacionais. Esse desenvolvimento levou a um renascimento do pensamento idealista, que ficou conhecido como neoliberalismo ou pluralismo. Aceitando algumas suposições básicas do realismo, os principais pluralistas, Robert Keohane e Joseph Nye, propuseram o conceito de interdependência complexa para descrever um quadro mais sofisticado da política global. Eles argumentam que os Estados podem cooperar efetivamente para benefícios mútuos, que o progresso é possível nas relações internacionais e que o futuro não precisa se parecer com o passado.3.1 O Sistema Internacional de Kenneth WaltzA resposta realista veio mais proeminentemente de Kenneth N. Waltz, que reformulou o realismo nas relações internacionais de uma maneira nova e distinta. Em seu livro Theory of International Politics, publicado pela primeira vez em 1979, ele respondeu ao desafio liberal e tentou corrigir os defeitos do realismo clássico de Hans Morgenthau com sua abordagem mais científica, conhecida como realismo estrutural ou neorrealismo. Enquanto Morgenthau enraizava sua teoria na luta pelo poder, relacionada à natureza humana, Waltz se esforçou para evitar qualquer discussão filosófica sobre a natureza humana, e propôs construir uma teoria da política internacional usando a microeconomia como modelo. Em suas obras, ele argumenta que os Estados no sistema internacional são como empresas em uma economia doméstica e compartilham o mesmo interesse fundamental: sobreviver. “Internacionalmente, o ambiente das ações dos Estados, ou a estrutura de seu sistema, é definido pelo fato de que alguns Estados preferem a sobrevivência a outros fins alcançáveis no curto prazo e agem com eficiência relativa para alcançar esse fim” (93).Waltz sustenta que, ao focar no Estado individual, nas questões ideológicas, morais e econômicas, tanto os liberais tradicionais quanto os realistas clássicos cometem o mesmo erro. Eles falham em desenvolver uma análise séria do sistema internacional — uma que pode ser abstraída do domínio sociopolítico mais amplo. Waltz reconhece que tal abstração distorce a realidade e omite muitos dos fatores importantes para o realismo clássico. Ela não permite a análise do desenvolvimento de políticas externas específicas. No entanto, também possui utilidade. Notavelmente, ajuda a compreender os principais determinantes da política internacional. Certamente, a teoria neorrealista de Waltz não pode ser aplicada à política doméstica. Ela não serve para desenvolver políticas de Estados sobre seus assuntos internacionais ou internos. Sua teoria ajuda apenas a explicar por que os Estados se comportam de maneiras semelhantes, apesar de suas diferentes formas de governo e ideologias políticas diversas, e por que, apesar de sua crescente interdependência, o quadro geral das relações internacionais é improvável de mudar.De acordo com Waltz, o comportamento uniforme dos Estados ao longo dos séculos pode ser explicado pelas restrições impostas pelo sistema internacional. A estrutura de um sistema é definida, primeiro, pelo princípio pelo qual ele é organizado; depois, pela diferenciação de suas unidades; e, por fim, pela distribuição de capacidades (poder) entre as unidades. Para Waltz, a anarquia, ou ausência de autoridade central, é o princípio organizador do sistema internacional. As unidades do sistema internacional são os Estados. Waltz reconhece a existência de atores não estatais, mas os considera relativamente pouco importantes. Como todos os Estados querem sobreviver, e a anarquia pressupõe um sistema de autoajuda em que cada Estado deve cuidar de si mesmo, não há divisão de trabalho ou diferenciação funcional entre eles. Embora funcionalmente semelhantes, eles são distinguidos por suas capacidades relativas (o poder que cada um representa) para desempenhar a mesma função.
3.2 Objeções ao Neorrealismo
Em 1979, Waltz escreveu que, na era nuclear, o sistema internacional bipolar, baseado em duas superpotências — os Estados Unidos e a União Soviética —, não era apenas estável, mas provavelmente persistiria (176–7). Com a queda do Muro de Berlim e a subsequente desintegração da URSS, essa previsão foi provada errada. O mundo bipolar revelou-se mais precário do que a maioria dos analistas realistas supunha. Seu fim abriu novas possibilidades e desafios relacionados à globalização. Isso levou muitos críticos a argumentarem que o neorrealismo, como o realismo clássico, não pode explicar adequadamente as mudanças na política mundial.A crítica também vem de teóricos construtivistas, como Alexander Wendt, que propõe que as identidades e os interesses dos Estados são socialmente construídos e que a anarquia internacional não tem uma lógica única. Outros, como os teóricos críticos, argumentam que o neorrealismo ignora a formação histórica das identidades e interesses dos Estados e legitima o status quo das relações estratégicas entre eles.4. Conclusão: O Caráter Prudente e Mutável do RealismoO realismo não é uma teoria estática e amoral, mas uma abordagem prática e evolutiva, dependente das condições históricas e políticas. Em tempos difíceis, quando a segurança se torna uma questão real, o realismo desempenha um papel de advertência útil, alertando contra o otimismo excessivo de crenças liberais em cooperação internacional. Contudo, ao focar exclusivamente no conflito e negar a possibilidade de progresso nas relações interestatais, o realismo pode se tornar uma ideologia que justifica agressões.Portanto, ao lado de sua função de advertência, normas positivas devem ser adicionadas ao realismo. Estas incluem a prudência, enfatizada pelos realistas clássicos; a visão de multilateralismo e lei internacional, defendida pelos liberais; e a solidariedade global, promovida por teóricos contemporâneos.